sexta-feira, 24 de junho de 2011



City of Words, litografia de Vito Acconci



Soletro-as. Lenta, lentamente. Como quando engasgados, mastigamos a saliva. Mastigo-as em cada letra desirmanada quando não encontro o ritmo, quando não as alinho de forma audível dentro de mim, quando, demasiado explícitas, ferem a imaginação, quando desesperada as rasgo, as encolho, as risco numa fúria que é mais ternura, numa febrilidade que, mais não é que temor de as perder, de me escaparem na velocidade com que me vêm à cabeça e que o traçado da caneta não consegue acompanhar.

Assim me são as palavras. Letras que conjugo e declino formando com elas pequenos ou grandes comboios a que convencionámos chamar de palavras. Não gosto de todas. Amo, à loucura, algumas. Mas o difícil está em agrupá-las. Em sequenciá-las. No nó das curvas da frase encontrar o nicho onde se tornam únicas. Nas veias do sentido apurar o implícito. Essas, acarinho-as e, quando o consigo, há em mim, como que um concerto de carrilhões de Mafra ecoando nos vales e no imaginário.

Cantatas e harpejos na densidade viva e inquebrável de cada palavra. Única.

HFM - Maio 2011

6 comentários:

Ad astra disse...

as palavras em tratado

densidade viva e inquebrável

ma grande folle de soeur disse...

MAGNÍFICO TEXTO E IMAGEM :) bjs

Licínia Quitério disse...

Luta, desespero, mal de amor. Ao longe hão-de soar os sinos.

Belo texto.

Beijo.

Anónimo disse...

Palavras escapam ao mesmo tempo que aprisionam. Tenho uma nostalgia que sempre busca por elas. Como se pudessem traduzir meu próprio e infinito caos. Quando as encontro, em ritmo nato, liberto-me de mim.
Um beijo.

jrd disse...

Grande texto. O culto das palavras.

mfc disse...

É esse o prazer de construir puzzles com elas!