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Olhava a sombra.
Melhor as sombras. Espelhos acentuando os espaços. Esgares que a luz inventava.
Oceanos de contrastes. Na sombra projectada iniciam-se as histórias. Pelo menos comigo.
Desde esses tempos recuados da infância quando, na casa de Campo de Ourique, na
sesta, então, obrigatória, eu me exilava
do sono para, nas silhuetas invertidas que se projectavam no tecto depois de
transporem uma nesga entre a janela e as portadas de madeira, iniciar as histórias
que contava a mim própria.
Hoje, no sol que finalmente se apropriou destes dias de
Junho, as sombras assombraram-me. Alargaram, na memória, o passado e, como num
exercício de descodificação, preencheram no presente o seu vazio. Toques.
Sobreposições. Desabafos. Certezas. Tudo isto se espraiou nas sombras com a
força com que este mar da Ericeira nos mimoseia. Diga-se, em abono da verdade
que, hoje, excepcionalmente, o mar até está de “patos”!
Voltemos às sombras. Às sombras que unem – fios condutores
da vida – entre a luz e a sombra e todos os cambiantes que circulam nos seus
interstícios.
Encostei o olhar ao mar. Deixei-me seduzir pelo canto dos
búzios. No remanso da maré adormeci a revolta e, outra vez criança, pensei que
a história que a sombra me iria contar era melhor que toda a luz fictícia deste
reino desmiolado em que teimamos em viver.
Contudo, a sombra vinha vazia. Apenas sombra. Um escuro na
luminosidade. Um silêncio duro e sem eco. Uma vaga a que faltava a espuma.
Tinha-se partido o fio condutor, só podia ser. Ou seria
cansaço? Meu? Ou da sombra?
No torpor de um calor envergonhado não me apeteceu
questionar-me. Encolhi os ombros. Encolhi a sombra. Encolhi mais um pouco o
esgar dos dias. Já vai sendo habitual. Como uma litania. Um advérbio de modo.
Ou será de lugar? O meu verdadeiro lugar na sombra.
Por uma tarde evadi-me. Ausentei-me. E não me dei mal.
Ericeira, 4 de Junho de 2013
6 comentários:
também gostava desse "mundo de aparências", transformado pela luz que vinha lá de fora...
abraço Helena
melancolia embalando a tarde
sem "sombra" de dúvida
Quando as sombras luzem
há sempre um sol
que as projecta
para nos mover
Um texto fantástico! Quem mais consegue, assim, encostar o olhar ao mar?!
Serão as sombras as responsáveis pela nostalgia da autora? :)
uma ténue linha entre as sombras (da memória) e o desenho do dias - na litania das ondas.
belíssimo, pois.
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