Não te conto a história. Seria ridículo no calor dos
dias. Seriam soturnas as horas que levasses a reflectir nela. Só te agradariam
se passasses para o outro lado do espelho e te questionasses. Fora disso, na
servidão dos dias, todas as explicações seriam terríveis e devastadoras. Repara
que falei de explicações, não de justificações. Um abismo entre estas duas palavras.
Como os grandes espaços a pique no Grand Canyon americano. Como as pontes
romanas em ruínas por incúria ou por falta de cultura. E isso importa? Não.
Este é o país. Estas as suas gentes.
Olha, reparei agora; do outro lado do espelho há uma
outra que ri. Ri mesmo. Não, não é um sorriso. É pior do que isso, o hiato
entre o sorriso e a gargalhada. Devastador. Mas esta posso eu fintar. Basta-me
virar-lhe as costas. É apenas a minha imagem reflectida no espelho. O alter-ego
de quem posso desdenhar e de quem me posso esconder. Que posso matar, basta
apenas não olhar para lá. Tão simples! E, contudo, tão infantil! Não sei porquê
pensei no teorema de Pitágoras. E logo eu!...
Não te conto a história. Isso é definitivo. Falo-te do
tempo. Do calor. Das penumbras. Das dunas. E, se estiveres em dia sim,
ultimamente tão raros, talvez também te fale de Florença. Ou de outra galáxia
que criarei, onde todos os possíveis são cenários prováveis que povoarei de
pessoas também elas imaginadas. Giro. Daria um bom romance se eu fosse
escritora. Assim, com a verve em dia de grande acção, continuarei apenas a
debitar uma torrente de palavras mais ou menos com sentido. Apenas para calar o
silêncio. Ou serão os silêncios? É parva esta língua onde apenas uma letra faz
toda a diferença. Isto não é próprio da “silly season”, faria mais sentido num
salão literário do século XIX.
Ainda aí estás? Sim, já percebi, estás-me a ouvir.
Pensando noutra coisa, seguramente. Por isso esqueces quase tudo. Paciência.
Nada a fazer. Apenas afastar-me do espelho e apagar os silêncios.
Boa tarde.
HFM - Lisboa, 2 de Agosto de 2013
4 comentários:
Boa tarde
devastador
como o silêncio
ou como os silêncios.
boa tarde, Helena.
abraço
estilhaço o espelho e entro pela tarde - na cumplicidade dos silêncios...
admirável Helena.
cumprimentos
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