quinta-feira, 30 de junho de 2011

No dia do teu nascimento

Na praia já se esgaçou o pano
nunca a memória
aqui te vejo - olhos de maresia -
conjugando o sorriso como arma
há anos - longos - que não te sei
mas a ti regresso
quando na pele habitam os fantasmas
que rasgam na derme os traços
da ausência

obrigada, mãe,
por me teres querido.


HFM - 30 de Junho de 2011

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sem título



da Chikurin Gallery




Quando a linha se torna forma
há do olhar a caligrafia

interioridade que o papel confina.


HFM - Lisboa, 20 Junho de 2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011



City of Words, litografia de Vito Acconci



Soletro-as. Lenta, lentamente. Como quando engasgados, mastigamos a saliva. Mastigo-as em cada letra desirmanada quando não encontro o ritmo, quando não as alinho de forma audível dentro de mim, quando, demasiado explícitas, ferem a imaginação, quando desesperada as rasgo, as encolho, as risco numa fúria que é mais ternura, numa febrilidade que, mais não é que temor de as perder, de me escaparem na velocidade com que me vêm à cabeça e que o traçado da caneta não consegue acompanhar.

Assim me são as palavras. Letras que conjugo e declino formando com elas pequenos ou grandes comboios a que convencionámos chamar de palavras. Não gosto de todas. Amo, à loucura, algumas. Mas o difícil está em agrupá-las. Em sequenciá-las. No nó das curvas da frase encontrar o nicho onde se tornam únicas. Nas veias do sentido apurar o implícito. Essas, acarinho-as e, quando o consigo, há em mim, como que um concerto de carrilhões de Mafra ecoando nos vales e no imaginário.

Cantatas e harpejos na densidade viva e inquebrável de cada palavra. Única.

HFM - Maio 2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Numa tarde de Junho



hfm



A costa desassombra-se até ao Cabo
numa bruma de silêncios
até o mar se aquietou
numa pacatez desconhecida
soltam-se no ar os gritos
das gaivotas desgovernadas
é assim esta praia
insondável, surpreendente, gratificante
e quanto menos conforme ao estabelecido
mais dela gosto
e aos meus ouvidos
solta-se do tempo a frase
- é revigorante!
e por detrás dela
como se de bruma se tratasse
vejo os olhos e o sorriso de meu pai
e, então, tudo faz sentido!




HFM - 15 de Junho de 2011

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sem título



Feita do sítio onde escrevi o poema.




batia no pontão o mar
a tarde era de sol e vento

tinham-se ausentado as Parcas.





HFM - Ericeira, 16 de Junho de 2011

sábado, 18 de junho de 2011

No translúcido da água
o espelho do céu
- mar de calmaria.



HFM - Ericeira, 15 de Julho de 2011



quarta-feira, 15 de junho de 2011



retirada da net


Quando o sol se atrasa
sopra no ar a brisa
leve e lenta
lembrança dum jardim
que não sendo suspenso
suspende em nós
os acasos os ocasos
e a desmedida ternura
das preces por dizer.



HFM - Lisboa, 4 de Junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011


Quando a manhã já é dia a pele adormece ao sol como um epigrama ou tão só a necessidade de sentir - um estado de vigília, uma marca de água.

Ao arrepio.


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ah grande homem!



No dia de Portugal, de Camões e das Comunidades o discurso deste homem foi um verdadeiro discurso de Estado, de um humanista com tom e palavras de poeta. Lúcido. Acutilante. Certeiro. Uma análise profunda e serena de quem sabe pensar e reflectir e ainda sem papas na língua.

Obrigada, António Barreto! Hoje este dia teve memória e significado.

E, para terminar, aproprio-me das suas palavras:







É DÍFICIL MAS É POSSÍVEL



Aqui encontrarão o discurso completo.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dos Terrítórios Impossíveis





retirada da net



Era o mar revolto
encostada a ti
sentia a força
e a música aspergindo
a ilha ainda distante
como um coro
embalando-nos
no descomprometimento
e numa melancolia breve.
Lentamente aproximavam-se
as Berlengas
e a verdadeira realidade
do silêncio
e da areia na tua pele

deserto onde acostei
na íngreme parede da duna.




HFM - Lisboa, 6 de Junho de 2011


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cabotagem





quando o mar se apresentar
incorporará sal e lendas
ainda a forma
dele ressaltarão os cânticos
das ondas e das criaturas
que o habitam
aí farei chão e casa
e o local de todos os concílios.
serei barco
e na lenta cabotagem da deriva
aportarei no meu farol
onde captarei o infinito.





HFM - Lisboa, 25 de Maio de 2011



sexta-feira, 3 de junho de 2011








Lembras-te do cabo por onde rasava o nosso olhar? Perto da serra e do mar. Na fímbria das mãos e do frio. Onde o sol era rubro e o poente um acaso. Recordo as sílabas. As palavras. E, como uma promessa, deixo que o sol recorte, em contraluz, o meu perfil. Estático. Presente. Presença. Uma rajada de vida no mimetismo do instante.






HFM - Lisboa, 21 de Fevereiro de 2011

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Citando

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.


Clarice Lispector