quarta-feira, 14 de abril de 2010

Diurnos



Como num filme de Antonioni ela mantinha os olhos fixos, inexpressivos para lá da janela da carruagem. Mudavam as paisagens, passavam as gares, entravam pessoas. Nada lhe desviava o olhar como se o tempo estivesse suspenso e a realidade não existisse. Também ela, ali, não existia. Apenas o comboio servia o tempo. Ela não estava ali. Nenhures era o seu lugar; ausência o seu paradigma. A vida corria noutra galáxia onde o tempo se pautava pela inutilidade de certas horas, pelo cansaço da rotina, pela ausência do espanto. O espanto. Fugira-lhe na mutação das promessas.

Desviou os olhos. Recostou a cabeça no espaldar do assento. Adormeceu.

Reiniciou-se o ciclo das ausências.



HFM - 13 de Abril de 2010

6 comentários:

Ad astra disse...

como num filme

a preto e branco...


belo texto.bela fotografia

addiragram disse...

Belíssima descrição do Eu em retracção.

Um beijo

jrd disse...

Um texto notável. Uma viagem -também- por dentro.

(Iniciou-se o ciclo das vitórias :))

Mar Arável disse...

Parar

para ver

como se anda

Belo com um beijo presente

bettips disse...

...e cheguei ao Antonioni, sim, o das paisagens perdidas - da confusão das mulheres e da fixidez das tristezas interiores, tão nossas.
Bj

Graça Pires disse...

não estar em lugar nenhum para experimentar a ausência do espanto... Mais um belo texto.
Um beijo Helena.