
O mar baralha todos os labirintos. Indomável nunca se aconchega. Surfa as rochas. Invade a terra. Desfaz artesanatos humanos. Cerra-se na sua pureza e na força de que é talhado.
Junto a ele procuro a paz e a lisura do seu afago. Não trai. Só não admite a insensatez. Agrada-lhe o respeito. Despreza os que o tentam destruir. Barra-os a direito sem tergivações. É uno na aparente dureza da sua simplicidade.
Encosto o olhar ao Cabo lá ao fundo, na distância que a bruma adensa e penso que estes dois pilares, mar e Cabo, me ensinaram a desprezar grande parte dos valores que dominam a actual sociedade e, acima de tudo, os fazedores de “gostos” miméticos, aqueles que usam a impunidade para nos impor uma vida sem sentido, sem valores, desumana, sisuda e plena de boçalidade.
Não, o mar não está zangado, digo-te. O mar apenas se defende da agressividade destes novatos que o tentam invadir. Do alto dos seus longos séculos apenas os despreza e com uma vaga maior repõe-os no seu devido lugar indiferente às mossas ou feridas. E o Cabo, altaneiro, gargalha, no eco das suas pedras que o mar foi cerzindo.
Mar e Cabo dois marcos que me construiram e me ensinaram o valor da transgressão.
HFM - Ericeira, 2 de Junho de 2010