segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A carta





Não consta de roteiros a estrada
que persigo
dir-te-ei apenas que se situa
no nada acima do tudo
na confluência do agora
perdida no depois
no eco do antes.
Para além dos meus dedos
ela filtra-se na água
espalhando-se nos verdes
acolhendo os pássaros
os cruzeiros
e o acre ocre das montanhas.
Não te falei do mar
- onde principia e acaba –
pois do mar não se fala
ama-se.
Há também ruínas nesta estrada
e lendas e histórias
pontuadas por cânticos sagrados
que o firmamento ilumina.
Para além das ruínas há a imensidão
o tempo o espaço
e a ingenuidade de prosseguir.
Calei-me dos homens
tu conhece-los
e eu falo-te da estrada
e dos ciganos que me acompanham
das tendas que não se montam
- servem-nos de tecto as estrelas
e o vento embala as distâncias.

Falo-te da minha estrada
da luta e da esperança
e de tudo que nela aporta
na inconfessada promessa
deste verde mar –
paleta de contrários
em horizontes sem fim.

Que te chegue bem a carta
e o contochão dos passos
alicerçados no bordão da minha finitude.

Que estejas bem aí na cidade
enquanto percorro o tempo
no espaço desta estrada que invento
nas palavras que para ti crio.

No grito da gaivota a raiva do mar
e no meu sangue a força da estrada mais além.

HFM - Itália, nos campos da Bassa parmiggiana, 13 de Junho de 2003


14 comentários:

Justine disse...

Belíssima, esta metáfora da vida e da procura!

Anónimo disse...

Fabulosa, a aspiração, a busca! As palavras também!

X disse...

Fabulosa!
Ligamos depois ;)

addiragram disse...

Carta, estrada, ponte...

Fred Matos disse...

"Falo-te da minha estrada
da luta e da esperança
e de tudo que nela aporta
na inconfessada promessa
deste verde mar –
paleta de contrários
em horizontes sem fim."

Um poema dentro do poema.

Beijos, Helena

Mar Arável disse...

Apareça

Teresa Durães disse...

a procura que nos impulsiona. belo!

vida de vidro disse...

Estrada sem nome que cada um de nós tem que percorrer. Procurando,sempre. Um poema excepcional. **

Manuel Veiga disse...

épicos os caminhos da liberdade. que tão bem cantas. em tão belo poema.

beijo

mfc disse...

Que linda estrada por onde nos trouxeste!

Eduardo Graça disse...

Meio-dia a meio do dia
Todo o tempo comigo
O fascínio do meio-dia
Ao sol do tempo antigo
Acende-se o meio-dia
Luz do clarão que sigo
À sombra do meio-dia
Por vezes não consigo
Distinguir no meio-dia
O que digo e não digo

27/11/2008

Ad astra disse...

não, não é uma carta,é um verdadeiro mapa traçado em beleza


"e o vento embala as distâncias."

por isso, por tudo, um grande beijo

jrd disse...

Porque quis ver um chão de Alentejo italiano?

© Maria Manuel disse...

que carta deliciosa, espantosa, lidíssima, Helena!