terça-feira, 28 de setembro de 2010



No silêncio recolho as expectativas. Tento esvaziar-me. Só assim, depurada, estarei aberta a todas as emoções e descobertas. Num canto, olharei para lá dos turistas e das máquinas fotográficas dos japoneses e, como em oração, esperarei que essa cidade se continue a desvendar. Lenta. Lentamente. Ao sabor de cada nova visita. De cada novo olhar.


Até breve Lisboa, vou ali à tua concorrente - Firenze.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

só as palavras podem completar o que não se compreende
nelas encontro a liberdade que os amantes não permitem
a aurora do sussurro indefinido que ainda é gaguez
a ternura que alguém não conseguiu selar
o sangue que o mar aparta no fulgor do farol esquecido


poeiras do quotidiano que a memória arrefece.


HFM - Ericeira, 10 de Setembro de 2010

domingo, 26 de setembro de 2010

Per te





CONJURA DE SENSIBILIDADES

(ouvindo o concerto de Mozart pela orquestra filarmónica de Berlim dirigida por Pierre Boulez sendo solista Maria João Pires)


Leve, levitava
num som interior
quase etérea dessacralizada
num mundo outro, sem penumbras.
Os lábios - sábios domadores do compasso -
antecediam promessas
visualizavam harmonias
e, sob as mãos de Pierre Boulez,
sem batuta,
organizavam-se sons, que escorriam,
impetuosos puros vibrantes
das cúpulas e colunas
do Mosteiro dos Jerónimos.
Ao fundo, desfocado em bruma
- como D. Sebastião -
Camões pensou
que os dedos daquelas mãos,
femininas e rudes,
tinham dobrado o Bojador.

Depois, adormeceu e pacificou.


HFM - Lisboa, 1 de maio de 2003


Agradeço ao meu amigo Eduardo Graça que me deu a conhecer o vídeo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010


dir-te-ei dos lábios ressequidos
no fragor da revolta
quando o mar se esconde
na secura da baixa-mar

aí se ouvem os ocasos
e o cântico dos náufragos
sem retorno

areias de equinócio
engolidas pelas ondas


ao largo afoga-se um bote.



HFM - Lisboa, 20 de Setembro de 2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sem título



Quando o silêncio é um grito
e a ave caiu exausta


só o pavio brilha.




HFM - Lisboa, 20 de Setembro de 2010



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sem título


Nas manhãs paradas
dir-te-ei da transversalidade
das inquietações
e das miragens


linhas de fogo por onde transitamos.



HFM - 14 de Setembro de 2010



sexta-feira, 17 de setembro de 2010




percorri a estrada. pelo menos imprimi nela os meus passos. não encontrei a encruzilhada. perdida, rasguei na terra o sulco da substância. este fugiu-me por entre os dedos como numa renda esfiapada. galgando pedras descobri o rio e fiz-me ao mar.

aí me quero. aí me encontro. nele, o som, a cor e o sal deslizam na vida como uma aguarela de Turner. apascentando os meus silêncios.


HFM - 11 de Agosto de 2010

terça-feira, 14 de setembro de 2010



Procuro no meu interior a linha de água. O fio condutor. Ainda aquele que Ariadne me queira oferecer para percorrer este imenso puzzle interior onde os labirintos e as cisternas se sucedem sem nexo nem casualidade. Rasgões. Feixes imprecisos. E, por momentos, um caminho que principia. A razão aqui torna-se inconsequente. Desprezada. O caminho tem regressos insuspeitos. Inquebráveis. Alargados. Caminhos donde se ausentaram a compreensão e as possibilidades.

Precisaria de uma equipa de espeleólogos para, em mim, encontrar a forma de vencer os obstáculos mas fui aprendendo que atrás de um outros virão como numa viagem sem fim.

Será por isso que sou viajante compulsiva?



HFM - Ericeira, 9 de Setembro de 2010


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

CÓDIGO DE CONDUTA

Quando os segredos se acoitam no luar
ressaltam da noite as encruzilhadas
contos antigos que nunca escreverei
equívocos e lembranças
recargas que carrego na mochila
do silêncio e das dores

contar-te-ei, mais tarde, meu amor,
a reacção das sereias quando o mar –
invertendo a lógica do tradicional conto –
cada noite lhes contar uma história
recriando a filigrana dos dias vividos
num agridoce de sentimentos

voluntária serei, então, fusão
de passado e presente
no futuro que amanheço
no esplendoroso ciclo do sol
nascer – zénite – ocaso

são estas as difusas linhas onde desenharei
as palavras que o tempo apagou
no eterno ritmo deste mar
onde, sedenta, me baptizo -
raiz, alga, espuma.

HFM - Lisboa, 12 de Agosto de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010




um canto silente
nas pedras que falam


ao sol gargalhava a fonte

HFM - Ericeira,8 de Setembro de 2010

sábado, 4 de setembro de 2010



pedras ou palavras? uma calçada de palavras esculpida na pedra. simplesmente as pedras que cantam. ou ainda, e tão só, um desvario de calor numa tarde de agosto.

não te explico a divagação. há nos seres normais momentos em que a loucura roça bem perto. no limiar da imaginação e dos lábios. momentos em que na pele se ouriçam todas as escutas. todas as atenções. mergulhados no momento as possibilidades são imensas. divagantes. diletantes. seguras.

falemos então das palavras empedradas ou das pedras das palavras. uma semântica de rituais. uma teoria desenvolvida na práxis. ou qualquer outra forma por absurdo que consigamos abarcar.

prefiro pensar que não passa do sucedâneo de uma tarde de agosto encalorada. e do mar que não avisto. e desse local onde gostaria de ancorar.

ele há dias de loucura... abençoados.




HFM - Lisboa, 16 de Agosto de 2010


quarta-feira, 1 de setembro de 2010



A tela do teu corpo - textura de renda e de luar. Um ocaso de madrugadas onde me disperso. Espuma que o mar guardou num dia de tempestade. Ali, só o tempo é o marco miliário. A pedra que nenhum outro tempo destruirá.