Confissões
sentei-me, hoje, aí contigo
na pequena mansarda que habitaste
bem perto da casa de meus pais
num esconso duma leitaria
e entre um bolo de arroz
e um café
deixei-te fazer o meu mapa astral
que susto!
quando me afirmaste
que quem nasceu nesse dia
nessa hora, nessa cidade
não fora eu - era a outra
a criança encurralada
na casa grande de Campo d'Ourique
a que dava dissabores
a que não estudava
a que tinha medos sofridos
a que inventava
essa, a tal,
a desconhecida
a que cedo aprendeu a calar
seu interior
a que só se afirmava
na solidão
a que passava encostada às paredes
a que na sesta obrigatória
contava histórias a si própria
a partir das sombras que passantes
projectavam na parede;
a outra, a espalhafatosa
a que ria
a Maria Rapaz
a das correrias e amigos
não existia
não nascera
era fumo
pura invenção
raiva e disfunção
depois... ao veres meu medo e cobardia
lançaste teus castelos ao vento
e no teu jeito melancólico
distanciado, solitário mas vibrante
falaste-me dos teus muitos outros
e ainda dos outros que nunca verbalizaste
dos inventados para baralhar
o burguês académico e pseudo-intelectual
daqueles que não chegaste a encontrar
mas que pressentiste
nos teus corredores de solidão
que, em ti, formavam um labirinto
depois ainda
largaste a rir
da tua estátua na Brasileira
"- pobre de mim, maltratado em vida
depois de morto, ao sol, à chuva,
às festinhas dos passantes
dos solitários que comigo conversam
dos turistas que me levam nos seus
daguerreótipos actuais.
...
e a Casa Fernando Pessoa?
- onde me quiseram cercar -
aquele vespeiro de lobbies
de senhores que se acotovelam
para em biquinhos dos pés
serem maiores do que eu!...
...
deixem-me rir...
e dizem alguns que eu era louco!
tudo depende do ponto de vista
ou do ponto de fuga!..."
pois é, mestre,
é preciso fabricar loucos
para serenar os espíritos vãos
daqueles que nada são!
e porque estava frio
saímos os dois de braço dado
ao encontro dos nossos eus
Lisboa, 28 de Janeiro de 2000
A Resistência Almadense e as Bibliotecas Humanas
Há 12 horas
14 comentários:
sim, certo, mas... quem?
Uma permanente procura de nós próprios.Abraço
excelente poema, Helena!
ñão dará a loucura uma noção do que é a realidade?
Das coincidências... tb eu, hoje, pensei em FP... :)
e saiste em excelente companhia. à procura...
(espero que a Belém. comendo pasteis de nata...)
... e o Fernando um pouco piegas:
"ai que tortura que fogo
se estou perto dela é logo
uma névoa em meu olhar
uma núvem em minh´alma
e eu sem a poder achar..."
beijo, querida amiga
gostei tanto, tanto de teu poema!
Na busca da verdade que somos.
Velhinho mas tão belo, Helena.
Um beijo e boa viagem.
um poema de descobrir(te)
fantástico, HFM no seu melhor
O poema pode ser velhinho. A escrita é jovem e excelente. Um beijo Helena.
adorei!
Sofia*
um poema que te revela, excelentemente "trabalhado". Fernando Pessoa teria gostado. beijos
Só mesmo Ele te poderia ter "tocado" desta maneira...Parabéns pelo lindíssimo poema!
Velhinhos são os trapos. Viva é a sua poesia.
abraço
só uma palavra: Lindo!
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